Em 17 de abril de 2013, postei o texto abaixo, cujo objetivo é apontar falhas na campanha contra Dengue no Brasil e, por conseguinte, em Santa Catarina. Hoje, quase dois anos depois, a cena escrita virou um roteiro para curta-metragem à espera de alguém que se disponha a realizá-lo. Já o estado, conseguiu cumprir a profecia. Profecia que não é minha, mas do desleixo com que os brasileiros - representantes e representados - tratam o Saneamento Básico.
Enfim, Santa Catarina chegou lá: ITAJAÍ INVESTIGA O QUINTO CASO DE DENGUE.
Leia, reflita, acorde e cobre do teu representante eleito:
CRÔNICA DE UMA EPIDEMIA ANUNCIADA.
EXTERNA. FIM DE TARDE. VILA DE PERIFERIA
Crianças descalças jogam futebol na rua esburacada.
AGENTE DE SAÚDE PÚBLICA caminha por entre as crianças. Olha para os lados em busca de casebres suspeitos. Escolhe uma e caminha em sua direção. Para alcançar a porta, pula o pequeno regato de esgoto que escorre pelo canto da rua. Bate na porta.
Surge uma MULHER com uma criança de colo. A criança come um pedaço de pão. Agente nota que as mãos e a boca da criança estão sujas de terra.
MULHER
- Oi. Você é do posto de saúde? Voltou a funcionar?
AGENTE
- Não sei. Eu trabalho no controle da dengue. Preciso olhar se no teu quintal tem criadouros de mosquitos. Sua caixa d’água é bem tampada?
MULHER
- Cri-o-quê?! Aqui tem quintal não, moça. Também não tem caixa. A gente busca água na bica lá embaixo.
AGENTE procura onde anotar estas informações na prancheta, mas não há local específico para este tipo de anotação.
MULHER
- Quando o posto de saúde volta a funcionar?
AGENTE
(ainda procurando onde anotar)
- Hein?!
AGENTE
(ainda procurando onde anotar)
- Hein?!
FADE OUT
*****
Este roteiro bem poderia ter sido escrito lá no início dos anos noventa, quando eu trabalhava na área ambiental da Prefeitura de COSMÓPOLIS e participava do Conselho Municipal de Saúde. À época, estávamos numa situação semelhante à que Santa Catarina se encontra neste exato momento, pois a DENGUE, batia às nossas portas.
Ao começarem a citar as medidas a serem tomadas (busca por xaxins, vasos em cemitérios, pneus velhos, tampinhas de garrafa etc. e o indefectível fumacê) argumentei que a cidade não dispunha de local adequado para descartar estes materiais e se fossem jogados no lixão, aumentaria a população de moscas, que já era preocupante. A médica sanitarista retrucou-me: “mosca não transmite dengue”.
Tive a plena certeza de que não havia clima para propor a intensificação dos trabalhos visando saneamento básico. Também tive certeza de que o aedes havia encontrado um confortável lar.
Acreditava – e ainda acredito – que fica difícil convencer alguém de que tampinhas de garrafa podem ser perigosas à Saúde se o esgoto escorre a céu aberto, se o lixo não é corretamente recolhido e descartado. Alguns dos demais conselheiros disseram-me que isto iria demorar muito e a questão da dengue era urgente. Foi minha derradeira participação naquele conselho.
Lá se vão 20 anos e a região de Campinas – SP conseguiu ter seus “desejados” casos de DENGUE HEMORRÁGICA o que, naquela ocasião, só acontecia na Baixada Fluminense.
Hoje, vejo Santa Catarina caminhando para também ter sua própria EPIDEMIA de dengue. Pois, como facilmente se pode constatar, a preocupação dos órgãos estaduais com saneamento básico aproxima-se de zero. Porém, os caçadores dos xaxins perdidos já estão em campo.
Boa sorte para nós todos!
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