19 setembro, 2020

CAVALO OU ZEBRA?!

 

“As tardes escorriam. A surdez era uma barreira entre seu ouvido e o mundo. Como o portão entre o mundo e nós: cadeiras presas na varanda. Às vezes, passava alguém. Apertava os olhos:

- E essa gente de pano na boca?

Eu ria. Como explicar às suas 94 primaveras?

Sintonizava o rádio pelo celular e colava ao seu ouvido à espera da estrela Dalva cantarolada, ansiando o movimento dos lábios que me têm colorido a vida.

- Canta, Mãe. A Senhora sabe a letra: no céu desponta...

- Não escuto nada.

Grudado nela, como aguardei o domingo de carnaval e lua cheia em que me ofereceu à luz, resisti àqueles dias.

Cadeiras de volta à calçada ...”

A grade ainda confunde as retinas.

- Que vem lá? Cavalo ou zebra?

Sigo seu indicador rumo ao ouvido.

- Não escuto nada.

Que alívio!


Ps.: É nóix, Mãinha e suas (nossas) 95 primaveras!