“As
tardes escorriam. A surdez era uma barreira entre seu ouvido e o mundo. Como o
portão entre o mundo e nós: cadeiras presas na varanda. Às vezes, passava
alguém. Apertava os olhos:
- E essa gente de pano na boca?
Eu ria. Como explicar às suas 94 primaveras?
Sintonizava
o rádio pelo celular e colava ao seu ouvido à espera da estrela Dalva
cantarolada, ansiando o movimento dos lábios que me têm colorido a vida.
-
Canta, Mãe. A Senhora sabe a letra: no céu desponta...
- Não
escuto nada.
Grudado
nela, como aguardei o domingo de carnaval e lua cheia em que me ofereceu à luz,
resisti àqueles dias.
Cadeiras
de volta à calçada ...”
A
grade ainda confunde as retinas.
- Que
vem lá? Cavalo ou zebra?
Sigo
seu indicador rumo ao ouvido.
- Não
escuto nada.
Que alívio!
Ps.: É nóix, Mãinha e suas (nossas) 95 primaveras!