Lá pelo início dos anos 80, fomos – Junim, Piu e mais alguém cujo nome não me lembro –
visitar um fornecedor da Leiteria Mumu. Na propriedade havia uma olaria.
Aproximei-me e fiquei observando a lida de um homem de cabelos brancos e um
menino de uns quinze anos, no máximo, manuseando o barro, amassando-o e
colocando-o nas formas. Na volta, vim calado, o que não é muito comum de
acontecer, como se sabe. A cena ocupava-me as parcas sinapses.
Quando
chegamos à casa do Piu, onde costumava me hospedar quando ia passar os finais
de ano em Caldas – MG, fui direto à máquina de escrever. Arranquei pedaço de um
cartaz do Espectro Contínuo, banda rockeira de Cosmópolis - SP, e enfiei na máquina.
Comecei a catamilhografar. Junim veio com o violão, pôs o pé na cadeira onde eu
estava sentado e começou a dedilhar. De mim, as palavras saiam compulsivamente,
apesar de meus dedos gagos. Lembro-me de sua pilhéria:
- “Do jeito
que você escreve, ainda vai ser escritor. Dizem que escritor não sabe escrever
à máquina.”
Terminei o
poema, ainda sem nome, e recostei-me na cadeira. Junim perguntou:
- “terminou?”
Eu
respondi:
- “Sim.
Falta o nome.”
Ele
retrucou:
- “Bota ‘Sô
Vicente’, que é o nome daquele senhor que estava fazendo os tijolos.”
Dito isto,
arrancou o pedaço de papel da máquina, sentou-se e cantou. Nossa música ficou
pronta ali. O canto está na minha mente até hoje. O poema é o que se segue:
SÔ VICENTE
o oleiro
na sua
santa inocência
atolava sua
imaculada mão na argila
e fazia os
tijolos
que
formariam o muro
barreira
entre o
pomar do patrão
e a fome
dos seus filhos
o bom deus
como de
hábito
espalhava
suas eternas bênçãos
sobre o
homem de boa fé
seculus
seculorum
amém...
Ps.: a foto é da vez mais recente que nos vimos.
2 comentários:
Nossa que lindo!
A festa foi muito legal mesmo, muitas risadas e musicas de Minas.
O Mundo usa o tempo para nos fazer uma surpresa todos os dias. Ele se foi ontem, mesmo dia que o seu avô há 44 anos.
Perfeito . Esta era a forma ou a maneira q músicas e poemas mineiros fluíam ...simples e no repente .
Bom demais Shasça . Abraços meu irmão !
Eugênio !
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