Há 83 outubros Leite veio dar uma volta por aqui. Hoje, toca sua tropa pra outras bandas. Este é meu hino a ele:
eh meu pai!
[poeira entra em meus olhos
não fico zangado não
pois sei que quando eu morrer
meu corpo irá para o chão
se transformar em poeira
poeira vermelha
poeira do meu sertão
{que ouvi com Cascatinha e Inhana lá pelos meus seis carnavais)]
eh meu pai nosso que estais comigo
santificado seja o nosso rumo
caminhas por onde estou
como eu danças no bojo do vento que brinca nesta beiramar
onde mulheres bonitas
- ah como tu irias gostar de vê-las!
cheirosas balançando suas nádegas
prestes a romper justas malhas coloridas
e ofuscar o sol
maravilhar o sol
beiramar continuação
embora aparentemente distante
da morada da tua ex-carne
aparente porque quando olho tu olhas
sentes a escuma da cerveja que bebo
e te escuto a bronquear por minha barba
e meu cabelo comprido que este nosso vento bagunça
e aquela do jogo de futebol entre cabelo ruim e cabelo bom? hein?
sabes que riem quando esta tua nossa história
e outra vez desobedeço
filho do Leite que sou
e se fosse diferente terias vergonha de mim
como teve em Pedregulho
enquanto me gritavas teu orgulho
- na nossa família tem criminoso; ladrão, não!
eh meu pai nosso que estais comigo
quando passo/passa por mim uma bela mulher
solteira casada tanto faz
e me lembro do quanto demorei para perceber
o porquê daquele teu sorrir safado
quando tocava a ponta do nariz com a língua
continuas vivo
nos chanfros onde derramastes tua solda
dos cafundós das Geraes aos cafundós da África
da Rua dos Cachorros ao Brega de Candeias
eh meu pai nosso que estais comigo
rei dos cavalos bravios de Peçanha
criado a samambaia e angu
desafiando as leis protéicas e vitamínicas
em tuas mortes não morridas
tuberculoses maleitas costelas quebradas
eletrochoque apendicites e etc
e o petit déjeuner de cerveja e conhaque
eh meu pai nosso que estais comigo
como nos domingos curitibanos de missa feijoada e zoológico
das cervejas no Caneca de Sangue
dois perdidos em Jacarezinho depois de goles de Ipanema
as noites nos botecos da baixada fluminense
e aquele insólito estilo de dividir a grana:
fregueses dos botecos saindo sorrateiros atrás de fregueses do boteco
e voltando sorridentes a contar o dinheiro dos fregueses do boteco:
a grana de mão em mão até à gaveta do balcão
onde descansaria até ser coletada sob mira do treizoitão
e outro balcão outro freguês outras mãos outras...
do baixo dos meus 20 anos olhava pra ti
e ouvia teu já conhecido mote, desde Curitiba
- onde tem gente vai gente
e lá íamos outra vez pra dentro da noite
cruel moedora de hipócritas e frouxos
bundas-moles rejeitados até pelo ralo da vida
a se perguntarem o quê fazer na superfície
além de bancarem os prazeres sadomasô de farmacêuticos
advogados cardiologistas psyco-gurus
e outras espécies de geriaputas
eh meu pai nosso que estais comigo
te vejo correndo atrás do Gentil homem
que atirou em meu primeiro amigo Suíço
protagonista da primeira cena de cinema
que ainda habita minhas retinas por quase meio século;
tu quixoterói canivete na mão rua abaixo
no encalço de Gentil e seu 38 que lhe pedia:
- não vem Leite, não vem!
e Mareca correndo e gritando e caindo na poeira sobre um Tião ainda em seu ventre
e tudo na hora do almoço
e eu tinha 4
e por esta e outras cenas do mesmo naipe
hoje ultrapasso os 400
eh meu pai nosso que estais comigo
e com teus filhos por sangue ou escolha e amigos
que dionisiacamente te saudaram noite adentro
rindo de suas/nossas histórias
sorrisos porque não mereces choro
nem a hipocrisia do respeito
que respeito é a súplica dos fracos
eh meu pai nosso que estais comigo
cavalgando alta mula de arreios tilintantes
cruzastes o Suassuí-Poca
este nosso Hades
reza de Vó Rosa a abrir porteiras
e no pa-ca-tá pa-ca-tá das patas levantando a terra vermelha
tua alegria a se fundir com o horizonte
eh meu pai nosso que estais
vivo é o vosso sumo
lagoa, 28/11/06
6 comentários:
Só se for pra aplaudir !!!; um menino tão bãozinho que é capaz muito ou muito capaz como queiram;de pronunciar-se alegremente filho do ilustre LEITE .
Pode crer SHASÇA nenhum choro , a nossa passagem é esta e poeiras nossa carcaça tornarse-a.........
Solidario estou com sua GRANDE FAMILIA .
Um UTA PRA TODOS,
abs
VASCO MALAGON NETO
História da foto: O Pai acordou de ressaca e sentou na rende sem abrí-la, como um balanço, e as crianças foram sentando de repente as curtas perninhas, do Leite subiram e todos cairam. acode...acode! choros e risos e a famosa pergunta machucou?
E ai faltou a máquina digital p/ fotografar todos no chão e o Leite com as pernas suspensas pela rede.
Grande Shasça - Que coisa linda.
Vi meu Pai em muitas linhas. Obrigado por expressares também os meus sentimentos. Só faço uma pequena correção (e compreenderás por quê) o POEIRA que ouvias, era na voz do DUO GLACIAL. (Cascatinha e Nhana não gravaram Poeira. Gravaram por exemplo RECORDANDO de autoria do meu pai. Aliás, eles eram padrinhos de batismo do meu irmão e por conseqüência - Compadres de Motinha e Nhá Fia - meus pais). Um abração e mais uma vez obrigado.
Mário,
Lembro-me de ouvir esta música lá pelos meus sete anos de idade, num daqueles rádios valvulados que mais zumbiam que tocavam, quando morava em Passos – MG. Isto, lá pelos idos de 62/63. Gosto muito desta canção, não apenas pela poesia da letra como também pelo seu significado. Enxergo, e pratico, o viver no mundo exatamente como ela diz.
Sempre tive pra mim que quem cantava fossem Cascatinha & Nhana. Agradeço por corrigir o equívoco da minha memória. Até porque também ouvi Duo Glacial, Tibagi & Miltinho, entre outros. Na época, ia com minha mãe aos circos ver os shows e os dramas. Vi um bocado. É bem capaz de ter assistido algum espetáculo coma participação de teu pai. Vou perguntar à mainha.
Alguns diriam que é um sinal de que o mundo é pequeno. Eu prefiro concordar com os caipiras:
Ê MUNDÃO SEM PORTEIRA!
De todo jeito, não é tão ruim ter um pai bacana.
Obrigado, digo eu.
Abraços
Grande filho... grande pai!
Fez sentir saudades de muitss coisas... E não é que ele é poeta... fala aí Shasça
Bebel e Vascoso: irmõs de há muito tempo...
Bete esteve lá.
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