15 março, 2013

UM CONTO MANEZIM




PRESENTE SEM FUTURO?

Acontecimento raro, como sabidamente rara é a beleza.
Família é presenteada pela vida com uma criança linda. Enquanto Flor cresce, parentes, como de praxe, planejam seu futuro. Instalam prancheta no quartinho dos fundos. A cada momento, algum dos responsáveis por sua existência propõe linhas que nem sempre – ou nunca – combinam umas com outras, embora ninguém se aperceba:
- Podemos vendê-la para um casal estrangeiro. Ela terá mais segurança no futuro; nós, mais conforto no presente. O fim de ano se aproxima e precisamos trocar de carro.
- Podemos deixar seu cabelo crescer e vender os cachinhos. Conheço quem compra e paga bem.
- Também pode fazer propaganda de sabonete ou sabão.
Uma voz destoante:
- Precisa tomar vacina...
Muitas, em uníssono, interrompem:
- Não podemos perder tempo!
Parentesiseando: não se trata de família depauperada, dessas que vendem almoço para comprar janta: tem carro na garagem, cerca elétrica, televisor dos fininhos com n polegadas, closet climatizado e muitos livros de autoajuda na estante da sala. Assina semanários e tem presença assegurada em palanques. Família de bem, pois sim.
O tempo atropela: Flor adolesce. A parentada continua debruçada na prancheta:
- Está uma mocinha, né? Precisamos lhe arranjar um bom casamento.
- Vamos mandar fotos dela pro BeBeBo e pra Arrazenda.
- Vamos inscrevê-la no concurso da televisão.
Outra destoante:
- Flor precisa de água limpa...
Coro, nervoso:
- O tempo ruge!
Inexoráveis, circunstâncias continuam a exercer seu ofício sobre a menina que, ainda bela, subsiste. Já apresenta falhas no sorriso, cachos convertidos em emaranhados, eczemas avançando pela antes tão macia e perfumada pele. Porém, ainda tem olhos de mar. Belezas ainda recônditas conferem, a Flor, ímpar magia. Suplicante magia.
A parte bem intencionada da parentada implica com as parcas vozes destoantes. Acusa-as de serem contra a felicidade de Flor e padecerem de ranço eco isto & aquilo. De rejeitarem o progresso da filha. De quererem o retorno aos casebres iluminados por pombocas enquanto filhas nem tão bonitas usufruem de oníricos cubos de metal e vidro.
Poucos percebem o estado crítico de Flor e a novela trágica em que vai se transformando seu viver. Alheia às súplicas, a maior parte dos membros da família permanece, como sempre, atenta ao seu umbigo. Não fazem conta de rancho de amor algum. Flor, impaciente com o Futuro, anseia melhor Presente. Turvam-se-lhe os olhos de mar.
Talvez só as bruxas de Cascaes possam lhe salvar das bem intencionadas almas que, como se sabe, forram certa seção do Além.

Ps.1 - No clip, LUIZ HENRIQUE ROSA canta RANCHO DE AMOR À ILHA, hino de Florianópolis, composta por ZININHO.
Ps.2 - Saiba muito mais sobre Floripa clicando nos HYPERLINKS (palavras realçadas).

Um comentário:

pater disse...

Já disse alguém, quer ser universal, cante sua aldeia... Cindy lema, girls (e flores???) just wanna have fun.. entre a cruz e a espada.. tudo muda, ou nada muda??


kkkk Bom, amigo, seguimos na prosa possivel... :)