10 julho, 2011

SANTA CATARINA: GREVE DO MAGISTÉRIO

Nada melhor do quem habita o olho do furacão para nos falar sobre a ventania. É por isto que tomo a liberdade de postar aqui o lúcido desabafo de alguém que tem a coragem e a perseverança de poucos para desempenhar aquele que deveria ser o trabalho mais importante aos olhos da Sociedade.
Principalmente por isto é que transcrevo as palavras de Emy Francielli Lunardi, originalmente publicadas no blog de MOACIR PEREIRA, jornalista do GRUPO RBS (e espero que ambos não fiquem chateados). Palavras que desejo que RAIMUNDO COLOMBO, Governador de Santa Catarina, e seu staff também tenham lido.
Estou curioso em saber a opinião daqueles que me privilegiam com sua visita a este blog. Portanto, aguardo comentários. Propositivos, é claro.
E vamos ao que interessa que a vida não tem pressa, mas também não espera!

"Relato penoso de um jornalista
9 de julho de 2011

”Prezado Moacir,
escrevo-te hoje pois cansei de ler e ouvir a “versão diplomática” (usando um eufemismo) dos meus colegas jornalistas (com exceção da tua pessoa). Escrevo-te como jornalista e como professora indignada… Gostaria de expor aos desinformados como o governo deste estado cumpre suas promessas e as leis. Permita-me falar em primeira pessoa, ou seja, falo por mim, não por meus colegas, nem pela minha escola, tampouco pelos professores em geral.
Antes, sinto-me impelida a reconhecer que, de acordo com a decisão de nossa regional (Xanxerê), voltei às aulas ainda na 5ª feira passada (07/07). Levo algumas conquistas na bagagem:

1º – meu salário, que deveria ser 11A (afinal possuo mestrado), continua no nível 7A (afinal, sou só uma ACT, e, como tal, obviamente deixo meu conhecimento em casa quando vou dar aula);

2º – meu salário aumentou inacreditáveis 26 reais mensais, se eu o receber integralmente… Ah, esqueci, mas eu perdi o prêmio assiduidade no final do ano, portanto, meu salário DIMINUIU 41,30 reais mensais;

3º – meu contracheque de junho veio com os descontos da greve: 23 dias. Vejam que conta fabulosa!!! – eu trabalho 3 dias (manhãs e tardes) por semana para o estado, de modo a cumprir 20h (não, eu não estou equivocada, deveria trabalhar 2 dias, mas trabalho 3, e recebo por 2 mensalmente, mas isso é outra história…) ou seja, uma vez que o mês tem 4 semanas, eu trabalho para o estado entre 12 e 15 dias no mês. No período do referido contracheque eu deveria trabalhar 14 dias, trabalhei 3, e tive 23 faltas!!! A secretaria de educação deste estado é realmente muito estudada, para eles 14 – 3 = 23…

4º – as medidas do governo afetam também os aposentados da educação, no caso, minha mãe – que trabalhou 36 anos em sala de aula e está aposentada há 17 anos – ganhou um DESCONTO de 200 reais (prêmio jubilar), DESCONTO de 43,46 reais (regência de classe) e DESCONTO de 71,88 reais (aulas excedentes);

5º – a lei, pelo cumprimento da qual entrei em greve, será apreciada por um grupo de estudos e sua aplicação será discutida até janeiro do ano próximo, para ver sobre a viabilidade de sua execução, no presente, sem sequer falar no pagamento dos atrasados devidos desde 2008…

6º – a partir da mesma data (janeiro/2012) o valor da regência e das aulas excedentes serão restabelecidos ao patamar de antes da greve. – Ah! esqueci-me, sou ACT, meu contrato acaba no dia 20 de dezembro, logo, eu não verei essa reposição afetar meus rendimentos…

7º – embora a decisão judicial que exigia a restituição dos descontos do mês de junho ainda não tenha sido cumprida, eu tenho a palavra do Sr. Governador que me restituirá tão logo eu reponha os dias letivos perdidos – claro, eu sou uma alma caridosa que não recebe salário, trabalha mais do que é paga para trabalhar e ainda pega dinheiro emprestado para pagar o transporte até a escola.

Com todas essas conquistas, como eu posso reclamar??? Vejam outros exemplos de como a situação da educação melhorou depois das promessas do Sr. Governador:

- nas manhãs geladas (-2ºC) dessa semana, eu e meus alunos encontramos as mesmas salas com vidros quebrados, goteiras, SEM LUZ ELÉTRICA, e o telefone e a internet já não funcionam mais;

- na 5ª feira pela manhã, comecei dando 5 aulas (quando deveria dar 3), porque estamos defasados de professores – não, eles não estão em greve!!! – estão doentes. A questão é que, essa semana nada se resolveu, afinal, já era 5ª feira… Semana que vem, possivelmente, as aulas vão para a escolha (mas, como no início do ano, há mais vagas que candidatos a elas) e se ninguém escolher, depois do dia 12, não pode mais contratar, porque já fechou a folha do mês… Então novamente preciso explicar aos meus alunos que eles, que já ficaram 20 dias no começo do ano sem aulas de matemática, religião, ciências e geografia, possivelmente ficarão mais 30 dias sem professores de artes, ciências, matemática e religião, e que os alunos do 4º e 5º ano ficarão 30 dias sem professor. Mas isso não precisa ser reposto. Afinal, o diretor e o secretário (2 pessoas) vão substituir esses 6 professores com facilidade e conhecimento suficientes…

- afora isso, encontrei novas ameaças acrescidas às já antigas: corte do salário também do mês de julho, a restituição dos descontos apenas se todos os grevistas voltarem às escolas, possibilidade de contratar ACTs (Deus sabe de onde…) para substituí-los, não-votação da lei complementar pela Alesc até agosto, volta ao salário de março (Deus queira!!!) execração pública na mídia, pressão de pais que não aguentam mais UM filho em casa (mas professor precisa lidar diariamente com 30 por turma…), fim do meu plano de carreira… e nem sei mais o quê.

Neste momento, infelizmente, me sinto como muitos personagens que costumo evocar nas minhas aulas de história: os farrapos que, em 1835-45, lutaram pela república no Império; os federalistas que, em 1893-95, lutaram por uma república mais justa no início do regime republicano; os pelados do Contestado (1912-16) que lutaram por um governo mais justo e igualitário; os “subversivos” que lutaram pelo retorno à democracia sob o regime ditatorial (1964-1985). Identifico-me com todos eles, não apenas porque tiveram a coragem de lutar por seus sonhos, mas porque todos acabaram, invariavelmente, difamados, julgados, condenados e, em muitos casos, mortos (para não dizer massacrados) pelos poderosos que ousaram enfrentar… chamados de revoltosos, monarquistas, fanáticos, loucos, malditos…

Diante disso tudo, vocês hão de me perguntar: “por que você voltou para escola?”

Eu respondo – com certeza, não foi por acreditar em promessas, em avanços ou em ameaças. Voltei pelos meus alunos e porque acho meu dever de professora de História contar-lhes essas trajetórias e ensinar-lhes as seguintes lições repetidamente, antes de abandonar essa profissão:

* a república brasileira foi proclamada em 1889 – por um golpe de estado. Os economicamente mais favorecidos da época fizeram o possível para apossar-se do poder – e não o largaram até hoje!!!

* no início da república, inventaram a troca de favores em busca de legitimação política – prática que permanece até hoje: uma cesta básica por um voto. E se cada eleitor não parar de trocar o seu voto por uma migalha, vai continuar perdendo milhões em impostos por quatro anos para os corruptos da vez.

* numa república representativa, a soberania está no povo. Os ditos “governantes” são nossos representantes, nossos empregados, não o contrário. Mas continuarão mandando em nós e desvirtuando suas funções se cada um não aprender a fiscalizar aquele em que depositou seu voto.

Por que meus alunos precisam saber disso? Porque nesses 122 anos de república a história não tem se desenrolado, tem se repetido, tem gaguejado… e só vai mudar quando cada um mudar a si mesmo e tomar as rédeas de sua própria história na mão.

É o que cada professor desse estado que entrou na greve esse ano tem tentado fazer. Sinceramente, gostaria que dessa vez a história não se repetisse… mas não tenho tanta certeza… Apavora-me a possibilidade, não de estar trilhando o mesmo caminho, mas de atingir o mesmo precipício… o mesmo fim… e, pior, de não ter sequer alguém para, daqui a 50 anos, dizer aos seus alunos que havia uma outra versão que não a dos vitoriosos, porque me parece que se eles vencerem dessa vez, não haverá futuro para os professores, nem haverá professores no futuro…

Emy Francielli Lunardi.”

Ps.: saiba mais clicandonos HYPERLINKS (palvras realçadas).

4 comentários:

Vania disse...

Como profissional da área da Educação no Rio de Janeiro, conheço bastante a situação muito bem exposta pela Profª catarinense. Seu texto me levou às lágrimas. Não é possível mais conceber o descaso do governo com nossas crianças e jovens. Não se pode mais admitir que nossos professores passem por tanto sofrimento, quando só querem trabalhar dignamente e receber um salário razoável.
Aqui no Rio, estamos construindo nossa greve, prevista para agosto. Vamos à luta, mais uma vez.

Anônimo disse...

Governador de Santa Catarina diz que greve dos professores é justa
Declaração foi feita para empresários no Top of Mind Este homem deve de ser louco admite que greve é legal e não negocia aumento com os grevista .no minimo queria aparecer na premiação Começaste bem Colombo...!!!!

S. Quimas disse...

Sou totalmente solidário à você e à sua causa.
Esse desgoverno na educação precisa acabar nesse país de oportunistas.
A greve é justíssima e, infelizmente, tem que existir como última carta nesse jogo desigual pela valorização da educação e seu profissionais.
Um grande abraço. Força e coragem!
Luz e paz.

@PortalMattrix disse...

Amigo! Um País que não respeita o professor é um País a beira do colapso social.Hoveram dias que os professores eram uma elite da sociedade.Todos os outros seguimentos profissionais que impulsionam a econômia de uma Nação,necessáriamente começam sua vida profissional na maestria de um mestre do ensino.São eles a bússola que direcionam o cidadão para uma vida paltada nas boas relações humans,no conhecimento das questões didáticas,no senso de humanidade.São os guardiões de uma sociedade justa e igualitária.Nos dias de hoje,a banalização de tudo que é relacionado com as relaçãos entre os seres,é consequência da desvalorização dos professores.Últimos guardiões da sociedade.