27 novembro, 2013

NEGRITUDE: CUJO & CUJA

Fechando - momentaneamente, é claro (ou escuro) - os papos baseados na Semana da Consciência Negra, curtam minha Cumadi ANA ROCHA de Fortaleza, João Pessoa e Paraty interpretando um poemeta de minha lavra. Poemeta que já foi gravado pelo swingante ZUCO 103, no disco OUTRO LADO. A leitura ocorreu no CINECLUBE PARATY em 20/11/2013.
Assim, fechamos com um papo leve, antes das próximas bordunadas.
Curta o show de Ana e ouça a gravação do Zuco 103 num dos HYPERLINKS (palavras realçadas).
Carpe!
 
 
 
cuja & cujo
 
dito e dita nasceram
              (há quem diga
               que preto não nasce
               surge)

 Porém insisto
dita e dito
nasceram num desses morros do macaco
numa dessas favelas por aí
onde poucos fartos despejam
o que muitos ditos e ditas
disputam com as moscas 

como escaparam à natural seleção social
dito e dita cresceram
cada qual no seu barraco
unidos na fome
no lixo
e no espanto de estar vivo 

dito
enquanto crescia
sonhava ser cantor
jogador ...or ...or
não deu
foi fazer avião
devido lugar de ditos
dita
enquanto crescia
sonhava ser cantora
professora ...ora ...ora
não deu
foi ser doméstica
devido lugar de ditas 

o que dito e dita sonhavam
era puro delírio
eram pobres e pretos
e se pobre branco já não dá sorte
imgine preto pobre
(rico preto
ainda fecha os olhos
preto pobre pesadela) 

dito era sempre o primeiro a ser preso
sempre pelo que era
nunca pelo que fez
dita perdeu a virgindade
(que inocência depende
de se ter alma branca)
junto com a do patrãozinho
e a dos seus amiguinhos
a patroa
com a dignidade ferida
botou-lhe porta afora
na rua outra dita 

foi na subida do morro
como diz o samba
que dito viu dita
dita viu dito
sorriram-se
gostaram-se
e como pouca desgraça é bobagem
resolveram somar as suas
e dividir num barraco
as ilusões
as barrigas rajadas
as doenças venéreas
tudo a que os ditos e ditas
têm direito 

todos os dias
dito bebia e batia em dita
dita fugia e traia dito
dito batia e não entendia
porque ainda sofria
dita traia e não entendia
porque ainda sofria 

nem dito nem dita
em sua via crucis percebiam
que o seu sofrer convinha ao bacana
que do seu duplex & whisky & sol
cuspia no mesmo morro fudido
onde mandava buscar sua alegria
nem dita nem dito
em sua angústia compreendiam
sua maldita sina
lá no seu zinco esgoto e só
tão perto e tão longe
debruçados sobre a casa grande
os culhões
enredados em humildade e esperança 

e foi depois de mais uma sessão
de porre e porrada
que dito enfrentou-se
seguindo a lição do avô:
pendurou-se na cumeeira
e lá ficou
dançando como um frango
com aquele olhar de quem trucou o zap
e foi depois de passar a acreditar
na existência do mal
que dita entregou-se
ao evangelho segundo qualquer paletó
aproveitando uma promoção no dízimo
oferecido por uma nova igreja lá do centro
(o disc-jockey era irresistível:
“não percam
um pecado é três
três é dez”) 

corre lá no morro que a tragédia virou
             um samba enredo mas este foi
                     desclassificado na escola
                  por excesso de estranheza
                          das gentes e escassez
                            de alegoria adequada

3 comentários:

bete disse...

São muitas verdade reunidas.

Magra Cidológica disse...

Vou ouvir de novo...

Anônimo disse...

pois eh querido Shaça, o eco que vem antes da palavra, eh a verdade batendo na car adagente.. obrigada por vc ter me passado esse texto maravilhoso pra eu cantar, falar contar com o zuco... ainda me arrepio quando penso como esse texto chegou a nossas maos... tinha que ser assim... o uninerso e deuses da musica queriam que essa estoria fosse contada em forma de drum and bass, eletrico forte sofredor.... batida de pes que choraram ao dançar esse som.
Lilian Vieirissima do zuco 103